EM AUDIÇÃO

CHOPIN - NOCTURNE IN B FLAT MINOR OP.9 Nº1

quinta-feira, 15 de maio de 2008

DORSO


I

Dorso
terso
morno
denso
Corpo
nu

Horto
Berço
Torso
tenso
Torre
tu


David Mourão-Ferreira

quarta-feira, 14 de maio de 2008

DA SEDUÇÃO DOS ANJOS


Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-
-Lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
P'ra que do choque no fim te não caia.

Exorta-o a que agite bem o cu
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –

Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.

Bertold Brecht
Tradução de Aires Graça
Foto: Dylan Ricci

terça-feira, 13 de maio de 2008

AMOR NO FEMININO


Amavam-se. E que longo amor tinham as duas,
Quando no leito, a sós, ambas se viam nuas,
Ao romper da manhã!...

Os corpos brancos de uma alvura de nevoeiro,
Apetitoso como frutos em Janeiro
E os seios num contorno iriente de romã…

Enlaçavam depois os corpos. Boca a boca
Trocavam docemente os mais vermelhos beijos,
Numa febre de amor, numa ternura louca,
Entre gritos do sangue e ardência dos desejos.

Noites brancas! Na sede ardentíssima do gozo,
Que frémitos! Da carne o insaciado ardor
Rói o sexo que explui, a crepitar, furioso
Injectado de amor….

Xavier de Carvalho

segunda-feira, 12 de maio de 2008

COSMOCÓPULA


Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras.

O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso de água
da tua língua demasiada e lenta

dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro

Natália Correia
Imagem: Jan Saudek

domingo, 11 de maio de 2008

NUA


Nua, nua
toda tua
vê-me assim!
Diz-me lá,
queres-me já?
Vens pra mim?
Faz-me amor,
dá calor
à amada.
Já transpiras
e respiras
madrugada!
Dás-me tanto
que é espanto
que te dou.
Se te canto
teu encanto

Teresa Machado

quinta-feira, 1 de maio de 2008

PUS O MAR


pus
o
mar
no
teu ouvido
e jurei
palavras
vazadas
como aquelas
que juraste em gozo
na noite
do primeiro encontro.

José Miguel Alves
Imagem: J.P. Sousa

terça-feira, 8 de abril de 2008

QUANTO DE TI AMOR


Quanto de ti, amor, me possuiu no abraço
em que de penetrar-te me senti perdido
no ter-te para sempre -
Quanto de ter-te me possui em tudo
o que eu deseje ou veja não pensando em ti
no abraço a que me entrego -
Quanto de entrega é como um rosto aberto,
sem olhos e sem boca, só expressão dorida
de quem é como a morte -
Quanto de morte recebi de ti,
na pura perda de possuir-te em vão
de amor que nos traiu -
Quanta traição existe em possuir-se a gente
sem conhecer que o corpo não conhece
mais que o sentir-se noutro -
Quanto sentir-te e me sentires não foi
senão o encontro eterno que nenhuma imagem
jamais separará -
Quanto de separados viveremos noutros
esse momento que nos mata para
quem não nos seja e só -
Quanto de solidão é este estar-se em tudo
como na auséncia indestrutível que
nos faz ser um no outro -
Quanto de ser-se ou se não ser o outro
é para sempre a única certeza
que nos confina em vida -
Quanto de vida consumimos pura
no horror e na miséria de, possuindo, sermos
a terra que outros pisam -
Oh meu amor, de ti, por ti, e para ti,
recebo gratamente como se recebe
não a morte ou a vida, mas a descoberta
de nada haver onde um de nós não esteja.

Jorge de Sena

domingo, 6 de abril de 2008

QUEM DORME À NOITE COMIGO?


Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem, desdigo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

Que farei quando, deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?

Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Reinaldo Ferreira

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

NUMA TARDE COMO ESTA


Ouço a chuva cair, e ninguém pode
saber, quanto a minha alma está sozinha...

Lembro-me bem: chovia assim, chovia.
- Numa tarde como esta ela foi minha.

E enquanto não chegava, eu me dizia:

- "Vai molhar-se todinha, o meu amor...
Tão frágil, que receio ao vento e à chuva,
antes dos beijos meus, se desintegre...
Onde estará neste momento ainda?
E enquanto não chegar, nada há de ver..."

E lá fora aumentando a chuva, e a chuva
me olhando, indiferente ao meu sofrer...

(Na penumbra do quarto, as coisas todas
eram sombras vazias, esperando.)

De repente: seus passos. Sim! seus passos...
Adivinho-lhe os olhos: não mentira.
E quando a porta se fechou, pensei
por um momento ainda, que não era,
- que eu é que louco imaginara tudo.

Encostou-se ao meu peito, e o coração
vaga escondida, contra o meu batia.

Beijei-lhe a boca... e então bebi-lhe as gotas
no pescoço, no rosto, nos cabelos...

-"Criancice, meu amor!... - molhada e fria esta roupa
há de até lhe fazer mal..."

Tão débil era o amor a aconchegar-se:
quase uma criança entre medrosa e alegre,...

Ah, a chuva que a molhou! ... E eu fui cuidá-la...
e em pouco, éramos dois, ardendo em febre. .

Numa tarde como esta ela foi minha,
molhada e trêmula a colhi nos braços.

Hoje, chove... A minha alma está sozinha...
E nunca mais hei de escutar seus passos...

J.G. de Araújo Jorge

sábado, 19 de janeiro de 2008

SE MINHAS MÃOS PUDESSEM DESFOLHAR


Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!

Federico Garcia Lorca