EM AUDIÇÃO

CHOPIN - NOCTURNE IN B FLAT MINOR OP.9 Nº1

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

NINGUÉM VAI SABER



Ninguém vai saber
Do meu segredo.
Tenho um amante
Belo como Deus
E todo nu
Aqui deitado ao meu lado!
Seus beijos são azuis
E a sua voz vermelha como o lume!
Tenho um amante só meu
E ninguém vai saber,
Ninguém mo vai roubar,
Porque ele é meu, só meu:
É feito de poemas e de fumo...

Julieta Lima

domingo, 28 de outubro de 2007

OUVE MEU ANJO


Ouve, meu anjo:
Se eu beijasse a tua pele?
Se eu beijasse a tua boca
Onde a saliva é mel?

Tentou, severo, afastar-se
Num sorriso desdenhoso;
Mas aí!,
A carne do assasssino
É como a do virtuoso.

Numa atitude elegante,
Misterioso, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.

Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia...

Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar -
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!

António Botto

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

SOB O CHUVEIRO AMAR


Sob o chuveiro amar, sabão e beijos,
ou na banheira amar, de água vestidos,
amor escorregante, foge, prende-se,
torna a fugir, água nos olhos, bocas,
dança, navegação, mergulho, chuva,
essa espuma nos ventres, a brancura
triangular do sexo -- é água, esperma,
é amor se esvaindo, ou nos tornamos fontes?

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 20 de julho de 2007

DOZE MORADAS DO SILÊNCIO


Envolver-me na mais obscura solidão das searas e gemer
Amassar com os dentes uma morte íntima
Durante a sonolência balbuciante das papoulas
Prolongar a vida deste verão até ao mais próximo verão
para que os corpos tenham tempo de amadurecer

...colher em tuas coxas o sumo espesso
e no calor molhado da noite seduzir as luas
o riso dos jovens pastores desprevenidos...as bocas
do gado triturando o restolho....as correrias inesperadas
das aves rasteiras

....e crescerei das fecundas terras ou da morte
que sufoca o cio da boca.....
....subirei com a fala ao cimo do teu corpo ausente
trasmitir-lhe-ei o opiáceo amor das estações quentes.

Al Berto

quarta-feira, 20 de junho de 2007

JOELHO


Ponho um beijo
demorado
no topo do teu joelho

Desço-te a perna
arrastando
a saliva pelo meio

Onde a língua
segue o trilho
até onde vai o beijo

Não há nada
que disfarce
de ti aquilo que vejo
Em torno um mar
tão revolto
no cume o cimo do tempo

E os lençóis desalinhados
como se fosse
de vento

Volto então ao teu
joelho entreabrindo-te
as pernas

Deixando a boca
faminta
seguir o desejo nelas.

Maria Teresa Horta

POEMA ANTIGO


O homem que percorro
com as mãos

e a lua que concebo
na altitude
do tédio


o oceano
penso paralelo — ventre
à praia intata
das janelas brancas
com silêncio

ciclamens-astros
entre
as vozes que calaram
para sempre
o verbo — bússola
com raiz — grito de relevo

O homem que percorro
com as mãos

a estátua que consinto

a lua que concebo.

Maria Teresa Horta

quarta-feira, 13 de junho de 2007

POEMA XVIII




Impetuoso, o teu corpo é como um rio
onde o meu se perde.
Se escuto, só oiço o teu rumor.
De mim, nem o sinal mais breve.

Imagem dos gestos que tracei,
irrompe puro e completo.
Por isso, rio foi o nome que lhe dei.
E nele o céu fica mais perto.

Eugénio de Andrade
Foto: Karin Rosenthal

quinta-feira, 31 de maio de 2007

A AMANTE


Dizem que eu tenho amores contigo!
Deixa-os dizer!…
Eles sabem lá o que há de sublime
Nos meus sonhos de prazer…
De madrugada, logo ao despertar,
Há quem me tenha ouvido gritar
Pelo teu nome…

Dizem - e eu não protesto -
Que seja qual for
o meu aspecto
tu estás
na minha fisionomia
e no meu gesto!

Dizem que eu me embriago toda em cores
Para te esquecer…
E que de noite pelos corredores
Quando vou passando para te ir buscar,
Levo risos de louca, no olhar!

Não entendem dos meus amores contigo -
Não entendem deste luar de beijos…
- Há quem lhe chame a tara perversa,
Dum ser destrambelhado e sensual!
Chamam-te o génio do mal -
O meu castigo…
E eu em sombras alheio-me dispersa…

E ninguém sabe que é de ti que eu vivo…
Que és tu que doiras ainda,
O meu castelo em ruína…
Que fazes da hora má, a hora linda
Dos meus sonhos voluptuosos -
Não faltes aos meus apelos dolorosos
- Adormenta esta dor que me domina!

Judith Teixeira
Lido no WebClube

quinta-feira, 24 de maio de 2007

CÂNTICO




Num impudor de estátua ou de vencida,
coxas abertas, sem defesa… nua
ante a minha vigília, a noite, e a lua,
ela, agora, descansa, adormecida.

Dos seus mamilos roxo-azuis, em ferida,
meu olhar desce aonde o sexo estua.
Choro… e porquê? Meu sonho, irreal, flutua
sobre funduras e confins da vida.

Minhas lágrimas caem-lhe nos peitos…
enquanto o luar a numba, inerte, gasta
da ternura feroz do meu amplexo.

Cantam-me as veias poemas nunca feitos…
e eu pouso a boca, religiosa e casta,
sobre a flor esmagada do seu sexo.

(José Régio)

sábado, 19 de maio de 2007

OS MEUS DEDOS


No rimar da sedução
Os meus medos –
perdidos nas delícias
de tua fruta

Os meus dedos –
nas carícias envolvendo
teus receios

Meu desejo firme
como rocha
no pleonasmo sem fim
de tua gruta

E ainda por cima
de sobra a minha língua
depositada sempre nas últimas sílabas
de teus anseios...

Newton de lucca

TU CHORAVAS


Tu choravas e eu ia apagando
com os meus beijos os rastos das tuas lágrimas
– riscos na areia mole e quente do teu rosto.
Choravas como quem se procura.
E eu descobria mundos, inventava nomes,
enquanto ia espremendo com as mãos
o meu sangue todo no teu sangue.
Não sei se o mundo existia e nós existíamos realmente.
Sei que tudo estava suspenso,
esperando não sei que grave acontecimento,
e que milhares de insectos paravam e zumbiam nos
meus sentidos.
Só a minha boca era uma abelha inquieta
percorrendo e picando o teu corpo de beijos.
Depois só dei pela manhã,
a manhã atrevida
entrando devagar, muito devagar e acordando-me.
Desviei os meus olhos para ti :
ao longo do teu corpo morriam as estrelas.
A noite partira. E, lentamente,
o sol rompeu no céu da tua boca.

Albano Martins

O BEIJO


O BEIJO

Um rapaz beijou-me ontem à tarde
E o seu beijo era um vinho perfumado
Tão longamente bebi nesses lábios o vinho do amor
que ainda agora me sinto embriagado*.

Anónimo - Grécia (séc. I a.c.)
Trad.Jorge Sousa Braga

* Uma pequena alteração minha; embriagada no original

A CHEGADA DOS NAVIOS


A Chegada dos Navios

Chegam heróis e jovens de mãos dadas.
Chegam rapazes loiros como o estio
E partem as palavras censuradas
No penacho de fumo do navio.

Em que a aventura nos embosca o cio
Chegam esperanças, medos e ciladas
E partem as angústias, exiladas,
No penacho de fumo do navio.

Ao ritmo dos guindastes estremecemos.
Portos abertos ao que nos deslumbra,
Barcos chamando o sexo com um grito!

Piratas da abordagem que trazemos
A rebentar nas veias: que se cumpra
Nosso destino esplêndido e maldito!

José Carlos Ary dos Santos
Liturgia do Sangue (1963)
Retirdado da compilação: Obra Poética (1994)

sábado, 14 de abril de 2007

ABUNDA QUE ENGRAÇADA



A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
rebunda.

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 29 de março de 2007

AMOR DE SONHO


O corpo moreno, viril
Levemente musculado.
A pele suavemente depilada
O olhar meigo e doce
Um sorriso carinhoso.

Onde andas tu
Meu amor de sonho?

Vem até mim
Abraça-me, possui-me.
Vem, não tenhas medo
De ser o meu homem
Dentro de mim…

Special K

quarta-feira, 21 de março de 2007

A TUA VOZ NA PRIMAVERA



Manto de seda azul, o céu reflete
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios úmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!

Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo beijo... olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!

Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos...

Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!


Florbela Espanca

terça-feira, 20 de março de 2007

ABC ERÓTICO


Abre-te!
Beija-me!
Cobre-me!

Amar-te é volúpia
Brincar é malicia
Carícia é pingo de mel.

Ai!
Basta!
Cala-te!

Abraço-te, queres?
Belisco-te, gostas?
Colo-me a ti, einh?

Ah!
Biscoito
Crocante!

Às nuvens subi
Bebendo o teu néctar
Crescendo-me em ti!

Ata-me!
Bebe-me!
Come-me!

Agora imparável
Brutalmente bom
Cada vez melhor!

Noel ferreira

quarta-feira, 14 de março de 2007

O AMOR E O OUTRO


Não amo
melhor
nem pior
do que ninguém.

Do meu jeito amo
Ora esquisito, ora fogoso,
às vezes aflito
ou ensandecido de gozo.
Já amei
até com nojo.

Coisas fabulosas
acontecem-me no leito. Nem sempre
de mim dependem, confesso.
O corpo do outro
é que é sempre surpreendente.

Affonso Romano de Sant'Anna

sexta-feira, 9 de março de 2007

NOSSOS CORPOS


Nossos corpos
se cruzam e descruzam
como serpentes
cálidas
se enroscam
e se apertam
atarracham
num crescendo
sem limite.

Há gemidos delirantes
há percussões arrítmicas
respirações ofegantes
empastadas em suor
até ao êxtase
e ao torpor.

Não há discurso
erótico
que resista
à mudez
desta nudez
tumultuosamente
sinfónica.

Noel Ferreira

PÚBIS CARENTE


Púbis carente
Saudades
Momentos contentes
gozo,
êxtases
suspiros

Gemidos
Gritos.

Pecado
Volúpia
Boca molhada
Pêlos molhados
Suor
pecados
Líquido salgado

Saudades
Púbis carente


Geraldo Ângelo Rasputim

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

CERIMONIA SOLITARIA BAJO LA LUZ DE LA LUNA



La masturbación es un caballo blanco
Galopando entre el jardín
Y el baño de mi casa
La masturbación se aprende
Mirando y mirando la luna
Abriendo y cerrando puertas
Sin darse cuenta que la entrada y la salida
Nunca han existido
Jugando con la desesperación
Y el terciopelo negro
Mordiendo y arañando el firmamento
Levantando torres de palabras
O dirigiendo el pequeño pene oscuro
Posiblemente hacia el alba
O hacia una esfera de mármol tibio y mojado
O en el peor de los casos
Hacia una hoja de papel como ésta
Pero escribiendo tan sólo la palabra
Luna
En una esquina
Pero sobre todo
Haciendo espuma de la noche a la mañana
Incluidos sábado y domingo.

Jorge Eduardo Eielson, Perú
"Ceremonia solitaria" - 1964

sábado, 17 de fevereiro de 2007

VEM AMOR...


Vem amor...
Tomar banho no riacho
E depois rebolar na relva.
Dá-me o teu beijo quente,
O teu toque suave,
O sabor da tua virilidade...

Vem amor...
Entra em mim,
Invade o meu corpo
Faz-me gemer, gritar!
Preciso do teu amor,
De sentir o prazer e a dor
Do nosso acto louco.

Sensual

SONETO DAS MÃOS


Mãos grandes, fortes, tuas mãos me davam
castigos e carícias, vida e morte!
Mãos fracas, minhas mãos, em cujo porte
não cabes, e teu peito em vão escavam!

Mãos tuas, que de sangue se pintavam
rasgando um coração, de cujo corte
respinga em minhas mãos vermelho forte!
Mãos nossas, que se sujam e se lavam!

Milagres acontecem! Ao bom Deus
inúteis meus pedidos não chegaram,
nem surdos ficarão os gritos meus!

Meus olhos, que eram cegos, hoje encaram
aquelas mãos, clamadas tanto aos céus,
sangrentas dos miúdos que preparam!

Salvador Novo
Tradução: Glauco Mattoso

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

ELA




Deitada no sofá,
recuperando de uma azáfama enloquecedora,
não deixo de sentir a sua essência
na minha pele,
mesmo agora, deixada sozinha.
Inspiro aquele odor... Qual oxigénio!...
inspiro novamente...
... e mais uma vez inspiro...


Nos meus lábios detecto um conhecido sabor,
o já percurrido relevo dos seus lábios,
forma-se novamente nos meus.
Fecho os olhos.
Relembro os momentos a seu lado.


E com tanta marca no meu corpo deixada,
é como se tivesse a beijá-la,
como se tivesse a abraçá-la...
sinto a forma do seu corpo sobre o meu.
Com, ainda, os olhos cerrados,
vejo o seu sorriso... o seu terno olhar...


Ela está tão dentro de mim!
tão fora... tão em cima, tão em baixo...
a meu lado...
Amaldiço tamanha ausência!
Tamanha perseguição... tenho-a aqui...
mas não a tenho...


A mente está cansada...
revivo e revivo novamente
os nossos momentos de entrega...
a impulsividade, a instictividade...


Todos os meus sentidos são saciados
por ela, com ela, através dela!...
o seu sabor... ainda o saboreio...
o seu cheiro... ainda o inalo...
a sua voz... ainda se declara...
a sua pele... toco-a em mim...
a sua face... ainda a vejo...


Conto no calendário o espaço temporal
que me dela separa...
os dias, as horas, os minutos...


E as palavras que me dirige
acalmam-me, emocionam-me,
asseguram-me...


Enterro-me nela,
vivo com ela, vivo porque ela assim me mantém
... sentidos aguçados, saciados ora agora...
insaciados agora depois...
com as emoções transbordando
nos poros da minha pele,
como um ser humano é legitimo e digno de se manter vivo
...
amando.


Guida

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

NOCTURNO


O desenho
redondo do teu seio
Tornava-te mais cálida, mais nua
Quando eu pensava nele...Imaginei-o,
À beira-mar, de noite, havendo lua...

Talvez a espuma, vindo, conseguisse
Ornar-te o busto de uma renda leve
E a lua, ao ver-te nua, descobrisse,
Em ti, a branca irmã que nunca teve...

Pelo que no teu colo há de suspenso,
Te supunham as ondas uma delas...
Todo o teu corpo, iluminado, tenso,
Era um convite lúcido às estrelas....

Imaginei-te assim á beira-mar,
Só porque o nosso quarto era tão estreito...
- E, sonolento, deixo-me afogar
No desenho redondo do teu peito...

David Mourão-Ferreira

sábado, 10 de fevereiro de 2007

HORAS RUBRAS



Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos sensuais e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas ...

Oiço as olaias rindo desgrenhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p' las estradas...

Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve branca e misteriosa...
e sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

Florbela Espanca

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

ENVOLVE-ME...



Envolve-me amorosamente
Na cadeia de teus braços
Como naquela tardinha...
Não tardes, amor ausente;
Tem pena da minha mágoa,
Vida minha!

Vai a penumbra desabrochando
Na alcova
Aonde estou aguardando
A tua vinda...
Não tardes, amor ausente!
Anoitece. O dia finda...
E as rosas desfalecendo
Vão caindo e murmurando:
- Queremos que Ele nos pise!
Mas, quando vem Ele, quando?...

António Botto
Canções, 1921

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

TU QUE NUNCA SERÁS



Sábado foi caprichoso o beijo dado,
Capricho de varão, audaz e fino
Mas foi doce o capricho masculino
A este meu coração, lobinho alado.

Não é que creia, não creio, se inclinado
sobre minhas mãos te senti divino
E me embriaguei, compreendo que este vinho
Não é para mim, mas jogo e roda o dado...

Eu sou a mulher que vive alerta,
Tu o tremendo varão que se desperta
E é uma torrente que se desvanece no rio

E mais se encrespa enquanto corre e poda.
Ah, resisto, mas me tens toda,
Tu, que nunca serás de todo meu.

Alfonsina Storni
Tradução de Maria Teresa Almeida Pina

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

VEM...



Vem! Que t' importa que maldiga o mundo
O amor profundo que nos liga? vem;
Vem, que nos vales de cheirosas flores,
Nossos amores viçarão também.

Vem! de joelhos nos tapiz de nardo
Há de te o brado suspirar idílios,
Cantar-te a face rosejada em pranto,
O orvalho santo do frouxel dos cílios.

Pensa na sombra da floresta virgem...
Nesta vertigem ... nest'amor ali!...
Aves felizes no sendal dos ramos
Seremos: vamos, que o serei por ti!

Vamos unidos como a luz ao astro
O amor da Castro na soidão lembrá-lo,
Nas longas plumas que a palmeira agita
A alma palpita de Virgínia e Paulo.

Que mais tu queres, anjo e flor? Escuta:
Quem ama luta? Não lutemos, vem!
Vamos aos vales de cheirosas flores,
Que é flor d'amores meu amor também.

Olha, de tarde quando o sol se esconde
Diz-me tu onde mais poesia viste?
Calam-se os ventos - só a brisa arrula
- O céu se azula - mas o céu é triste.

Pois bem, o bardo na soidão exprime
Na voz sublime dum arcanjo a voz:
Hei de dos seios arrancar os lírios
Dos meus delírios, pra t'os dar - a sós.

- Perdidos ambos no deserto infinito
Que sonho lindo, que visões também!
E o éter puro como véu d'estrelas...
E a chama delas a tremer além!...

"Mas quando um dia desbotar-se o prado?
Quando o valado se cobrir de gelos?
Ai! tu só vives - beija-flor - de orvalhos
Em verdes galhos de sonhares belos!

Qu' importa o prado de cheirosas flores
Se teus amores morrerão também!"
Quando morrerem, morrerão comigo
E ao céu contigo voarei - Oh! vem!

"Oh! não! Minh'alma se coroa em flores;
Nos esplendores de celeste aurora;
Deus abençoa só amores santos
Cala teus cantos: morrerás agora?"

(Rio Grande, julho de 1867)
Rita Barém de Melo

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

TEU CORPO SEJA BRASA



Teu corpo seja brasa
e o meu a casa
que se consome no fogo
um incêndio basta
pra consumar esse jogo
uma fogueira chega
pra eu brincar de novo
Minha boca
É pouca
Minha língua
Pequena
Para o desejo que anda à solta
Intenso
Enorme
Húmido
E entre as tuas pernas
Me afogo
Delicio
E danço ao som
Dos teus gemidos


Alice Ruiz

PRIMEIRO FORAM OS DEDOS



Primeiro foram os dedos
que travaram conhecimento.
Depois os olhos pousaram-me
na mão e levaram-na a percorrer
a curva da cintura. E a sua boca
procurou a minha boca
sem sobressaltos e deixou-a depois
para percorrer o meu corpo.

É assim a descoberta do poeta,
apesar de tudo se passar na sua cabeça,
dando origem a mais um poema.

Maria Carlos Loureiro

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

DESPERTA-ME DE NOITE



Desperta-me de noite
O teu desejo
Na vaga dos teus dedos
Com que vergas
O sono em que me deito

É rede a tua lingua
Em sua teia
É vicio as palavras
Com que falas

A trégua
A entrega
O disfarce

E lembras os meus ombros
Docemente
Na dobra do lençol que desfazes

Desperta-me de noite
Com o teu corpo
Tiras-me do sono
Onde resvalo

E eu pouco a pouco
Vou repelindo a noite
E tu dentro de mim
Vais descobrindo vales

Maria Tereza Horta

SE TU QUISESSES VER-ME


Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca

sábado, 20 de janeiro de 2007

TEUS QUERIDOS PÉS



Teus queridos pés me fazem sofrer
teu grande pescoço e sua nuca inteligente
tuas orelhas
Todo teu maldito corpo
Todos seus gestos malditos e teus papéis
teu lenço desesperado e enorme
todo rasgado e perdido

Teus queridos pés que não amo
que foram embora de mim.

Irene Gruss
Traducão de Santiago Kovadloff

TEU CORPO É AGOSTO


Teu corpo é Agosto

Tu cheiras a verão
por baixo das veias

Tu cheiras a quente

Tu cheiras à febre
do sangue maduro

Teu ventre de orgia
teu cheiro a sodoma
aroma-mulher

Teu corpo de Agosto
tem cheiro a Setembro.

Manuela Amaral
"Amor no feminino"
Editora Fora do Texto, 1997

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

O INSECTO



Das tuas ancas aos teus pés
quero fazer uma longa viagem.

Sou mais pequeno que um insecto.
Percorro estas colinas,
são da cor da aveia,
têm trilhos estreitos
que só eu conheço,
centimetros queimados,
pálidas perspectivas.

Há aqui um monte.
Nunca dele sairei.
Oh que musgo gigante!
E uma cratera, uma rosa
de fogo humedecido!

Pelas tuas pernas desço
tecendo uma espiral
ou adormecendo na viagem
e alcanço os teus joelhos
duma dureza redonda
como os ásperos cumes
dum claro continente.

Para teus pés resvalo
para as oito aberturas
dos teus dedos agudos,
lentos, peninsulares,
e deles para o vazio
do lençol branco caio,
procurando cego
e faminto teu contorno
de vaso escaldante!

Pablo Neruda

DESESPERO



Não eram meus os olhos que te olharam
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.

Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.

Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu

A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o espermen que te dou, o desespero

José Carlos Ary dos Santos

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

CANTIGA DE AMIGO

Cantiga de Amigo

Nem um poema nem um verso nem um canto
tudo raso de ausência tudo liso de espanto
e nem Camões Virgílio Shelley Dante
--- o meu amigo está longe
e a distância é bastante.

Nem um som nem um grito nem um ai
tudo calado todos sem mãe nem pai
Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!

---o meu amigo está longe
e a tristeza é bastante.
.
Nada a não ser este silêncio tenso
que faz do amor sozinho o amor imenso.
Calai Camões Virgílio Shelley Dante:
o meu amigo está longe
e a saudade é bastante!


José carlos Ary dos Santos

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

SOBRE OUTROS LÁBIOS



Eu crescia para o Verão.
Para a água
antiquíssima da cal
Crescia violento e nu.

Podiam ver-me crescer
rente ao vento,
podiam ver-me em flor
exasperado e puro.

À beira do silêncio,
eu crescia para o ardor
calcinado dos cardos
e da sede.

Morre-se agora
entre contínuas chuvas,
os lábios só lembrados
de um Verão sobre outros lábios.

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

PRAIA DO PARAÍSO


Era a primeira vez que nus os nossos corpos
Apesar da penumbra à vontade se olhavam
Surpresos de saber que tinham tantos olhos
Que podiam ser de luz tantos candelabros
Era a primeira vez cerrados os estores
Só o rumor do mar permanecera em casa
E sabias a sal, e cheiravas a limos
Que tivesses ouvido o canto das cigarras
Havia mais que céu no céu do teu sorriso
Madrugada de tudo em que sonhavas
Em teus braços tocar era tocar os ramos
Que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo
É preciso afinal chegar aos cinquenta anos
Para se ver que aos vinte é que se teve tudo

David Mourão Ferreira

domingo, 14 de janeiro de 2007

SONETO DO PRAZER MAIOR



Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:
.
Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.

Bocage

sábado, 13 de janeiro de 2007

VEM E LAVRA-ME

Fecho os olhos e consigo
lembrar o que fiz contigo:
foi AMOR como não há!
...Mas no meio desta insónia
nua e sem cerimónia
acaricio-me já...

Mas falta-me a tua mão
os teus lábios, o escaldão
da tua língua macia...
Percorre-me com teu tacto,
põe-me de gatas no acto
que mais libera a magia

Corre para a minha beira!
Lavra-me! Eu sou a leira
que ressequida reclama...
Vem e faz-me amor sem rede,
Vem e mata a minha sede,
à redea solta, na cama!

Teresa Machado

LETTERA AMOROSA

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.
.
Eugénio de Andrade

O NADADOR


O que me encanta é a linha alada
das tuas espáduas, e a curva
que descreves, passáro da água!

É a tua fina, ágil cintura,
e esse adeus da tua garganta
para cemitérios de espuma!

É a despedida, que me encanta,
quando te desprendes ao vento,
fiel à queda, rápida e branda

E apenas por estar prevendo,
longe, na eternidade da água,
sobreviver teu movimento...

Cecília Meireles

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

I'M YOUR MAN


If you want a lover
I'll do anything you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
If you want a partner
Take my hand
Or if you want to strike me down in anger
Here I stand
I'm your man

If you want a boxer
I will step into the ring for you
And if you want a doctor
I'll examine every inch of you
If you want a driver
Climb inside
Or if you want to take me for a ride
You know you can
I'm your man

Ah, the moon's too bright
The chain's too tight
The beast won't go to sleep
I've been running through these promises to you
That I made and I could not keep
Ah but a man never got a woman back
Not by begging on his knees
Or I'd crawl to you baby
And I'd fall at your feet
And I'd howl at your beauty
Like a dog in heat
And I'd claw at your heart
And I'd tear at your sheet
I'd say please, please
I'm your man

And if you've got to sleep
A moment on the road
I will steer for you
And if you want to work the street alone
I'll disappear for you
If you want a father for your child
Or only want to walk with me a while
Across the sand
I'm your man

If you want a lover
I'll do anything you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
.
Leonard Cohen
Imagem: J.P. Sousa

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

POEMA DA AMANTE


Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.

Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.

Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.

Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.

Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.

Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.

Adalgisa Néri

DESEJO AINDA MAIS...


Desejo ainda mais e mais beijos, espasmos
de corpos atados, ainda mais levemente marchemos
através do bosque, sonhando
que tudo é de outra maneira
mais matizes no tilintar das imagens que criamos
- de madrugada tive sonhos turvos, sobre a força
a potência, a renúncia da vida
me levantei, me aproximei mareado de facas
olhei-as demoradamente, vazio, espremido
depois me sentei, pensava no irreal
quis me afundar ainda mais
e mais na eterna delícia da entrega, na pele
no mirar cálido dos olhos, na carícia
rompi uma larga lista de meios
para o assalto, para a luta, para a defensa
vertia água e bebia, lentamente
largamente, como desde aqui até lá.

Brane Mozetič, Lituânia
Tradução: Narlan Matos

MUITO TARDE...


Muito tarde da noite quando tu não sabes, eu
deslizo-me ao quarto, aproximo-me em silêncio
e observo o teu rosto à luz da vela,
como um feiticeiro coloco as minhas mãos em cima de ti
quando não sabes, não sentes, não podes
me rechaçar, deito-me, junto a ti,
suavemente para não te acordar
nesses momentos eu penso, ditoso,
que ainda não há perguntas, nem dúvidas
que como um rio serpenteamos através do tempo
enlaçados, que nas profundezas
ainda há peixes, e nas poças
umas mãos, uma boca bebem com paixão
lentamente, seriamente, como um ritual.

Brane Mozetič, Lituânia
Tradução: Jasmina Markič

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

NA GEOMETRIA DAS TUAS NÁDEGAS


Na geometria das tuas nádegas
minhas unhas aprendem o ritmo
da arquitectura natural da curva.
Deslizo nelas meu júbilo.
Quem inventou a magia desse lado?
E a quem cabe extinguir as nádegas
se nelas há a geometria do mundo
o homem busca os tons da parábola
e a mulher não ignora esse destino?

De nádegas o que o homem aprende
é estar nelas onde elas sabemj
ungi-lo no que são:
amuleto nos olhos
liturgia das mãos
ou estar-lhes em cima.
José Craveirinha, 1922-2003, Moçambique

CORPO

É pêssego
Tangerina
E é limão

Tem sabor a damasco
e a alperce

Toma o gosto da canela
de manhã
e à noite a framboesa que se despe

De maçã guarda o pecado
e a sedução

Do mel
o açúcar que reveste

Do licor
a febre que no seu rasgão
me invade me inunda e me apetece

Mergulho depressa a minha boca
e bebo a sede
que em mim já cresce

Delírio que me enche
de prazer
tomando o ponto num lume que humedece

Devagar mexo sem tino
as minhas mãos

Provando de ti
o que de ti viesse

O anis do esperma
o doce odor do pão
que o teu corpo espalha e enlouquece

Maria Teresa Horta